Sem heterossexualidade obrigatória não há capitalismo. Por Karina Vergara Sánchez

PRODUÇÃO E REGIME HETEROSSEXUAL

A situação político-econômica no mundo ocidentalizado contemporâneo, essa forma de vida que chamamos capitalismo, se mantém pela exploração de recursos naturais que abastecem um modo de produção que gera riqueza apropriando-se da força de trabalho das pessoas. Então, podemos delimitar simbolicamente dois sujeitos, produzidos por e produtores do sistema: aquele que explora, o que se apropriou dos meios de produção; e aquele que é explorado, o que tem pra vender unicamente sua força de trabalho.

Para que aquele [1] que vende sua força de trabalho pudesse chegar ao lugar onde ocorre a produção (e aos locais de distribuição, publicidade e outras atividades que permitem e incentivam a realização do produto) houve um trabalho que tornou possível que ele tivesse onde passar a noite anterior com o mínimo de conforto que lhe possibilitasse o sono, havia vegetais, legumes, carnes ou outros alimentos cuja preparação foi feita necessariamente pra se tornassem comestíveis, houve inclusive roupa limpa. Ou seja, uma pessoa criou as condições necessárias que permitiram que ele comparecesse ao lugar de produção. A essa pessoa foi designado um trabalho que não se localiza nos espaços de produção, mas que é indispensável pra essa produção. Tal pessoa muito provavelmente era uma mulher, pois no capitalismo a responsabilidade pelo trabalho doméstico é determinada de forma diferente, conforme os corpos sexuados

Os corpos que se pressupõem que tem, podiam ter ou tiveram, capacidade de gerar e/ou parir – esposa, mãe, vó, irmã, companheira – [2], são relacionados com o trabalho da criação e, como se fosse consequência lógica, são os encarregados do cuidado e do espaço doméstico. Para que o sujeito do capitalismo possa empregar sua força na produção, ocorre previamente o chamado trabalho reprodutivo [3], aquele sem o qual não seria possível a produção nem a reprodução.

Feministas materialistas[4] a partir da década de 70 mostravam como essas tarefas obedeciam a uma divisão sexual do trabalho. Conceito este que hoje é necessário matizar pois, naquela época, pretendia explicar que, enquanto às pessoas cujos corpos eram sexuados como masculinos se designavam geralmente os trabalhos produtivos, aos corpos sexuados como femininos, se designava o trabalho reprodutivo. No entanto, conforme foi se tornando mais sofisticada a exploração capitalista, se criou sobre os corpos com presumida capacidade paridora a exigência do cumprimento de mais jornadas no âmbito produtivo, sem que de nenhuma maneira isso significasse uma diminuição da carga das jornadas designadas de trabalho reprodutivo [5].

Diante deste fenômeno, distintas posições feministas têm proposto uma divisão igualitária das tarefas domésticas. No entanto, em muitas culturas as mulheres encontram sérias dificuldades em fazer cumprir uma divisão mais igualitária desse trabalho. Inclusive quando há homens dispostos a se encarregarem de tarefas do lar, socialmente se valora de forma diferente o trabalho realizado por um homem, que é tão sensível ou tão amável que faz tarefas “extra”, enquanto os trabalhos realizados por mulheres são invisibilizados porque é o que se espera delas, são naturalizados. Sendo, ainda, uma constante que elas levem a maior carga simbólica e material do trabalho reprodutivo.[6]

Quando, na unidade familiar, se tenta trocar o trabalho ou distribuir de outra maneira as obrigações propondo, por exemplo, que seja a mulher quem realize o trabalho produtivo, ou que ambos os membros o façam, a desigualdade salarial entre homens e mulheres [7], o teto de vidro [8] e as opções laborais atribuídas às mulheres dificultam essas formas distintas de se organizar. Nas palavras de Federeci: “as tentativas das mulheres de redistribuir as tarefas domésticas serão frustradas devido aos baixos salários que recebem no mercado de trabalho por conta dos preconceitos masculinos enraizados sobre o seu trabalho” (Federici, 2012, p. 80).

No século XXI, em diferentes regiões da América Latina e do mundo ainda vigora o modelo marido/provedor-mulher/cuidadora; mas, também, nas outras formas de organização, particularmente nos espaços urbanos, o trabalho se divide segundo o corpo sexuado; contudo, essa divisão não está diferenciada unicamente conforme o âmbito de produção/reprodução e muito menos é equitativa, ou distribuída em partes iguais, mas se determina um valor distinto às tarefas encomendadas a homens e a mulheres.

Mesmo trabalho produtivo: diferente salário e diferentes oportunidades de emprego. Mesmo trabalho reprodutivo: diferente carga segundo o corpo sexuado e diferente valorização social.

Esse processo contemporâneo de adequação às necessidades atuais do capitalismo perpetua a idéia da necessidade de uma família nuclear e termina determinando, tanto em tarefas produtivas como em reprodutivas, uma sobrecarga física, material e simbólica sobre os corpos com presumida [9] capacidade de gerar.

A esse respeito, Federeci expõe que as formas pelas quais se deposita o trabalho sobre os corpos das mulheres são distintas em cada país, sobre os mandados a respeito do exercício da maternidade, diz: “em alguns países nos forçam a produção intensiva de filhos, em outros nos intimidam a não nos reproduzirmos… Mas em todas as partes nosso trabalho é não remunerado e a função que exercemos para o capital é a mesma” (Federeci, 2012, p. 53).

Com base nisso, me pergunto: o que manteve, durante o processo histórico, o trabalho reprodutivo designado majoritariamente às mulheres?; o que sustenta a atual divisão sexual do trabalho? Ou seja, o que faz com que, nas sociedades, duas pessoas não consaguíneas e de sexos distintos vivam juntas e uma se ocupe do trabalho produtivo e outra tenha que participar diretamente na produção e além do mais lhe seja designado o maior peso do trabalho reprodutivo?

O que impulsiona as mulheres, além de cumprir longas jornadas de trabalho assalariado, a lavar centenas de cuecas que não são suas durante toda sua vida?; A fazer o trabalho reprodutivo para si mesmas, para o “sujeito produtivo” [10], para seus filhos e filhas e, ocasionalmente, até para as gerações subseqüentes?; o que as leva a manter a ordem das coisas?; limpar ranho de crianças e passar noites em claro ao seu lado quando ficam doente; entre muitos outros afazeres sem remuneração financeira, servindo assim com seus trabalhos-corpos à manutenção do sistema mundo econômico? Poderia ser assim se não se construísse nas mulheres a convicção de que só é possível/desejável a vida em relação com um homem e com o trabalho designado por esta relação – esse trabalho que poucos consideram trabalho? [11]

Esse é um ponto medular: o pressuposto de que a maioria das mulheres (e dos homens) são heterossexuais por natureza é um muro teórico e político, afirma Rich. (1985, p. 38)

Se partimos de uma perspectiva biologista [12], pela qual a natureza humana está “determinada pelos nossos genes” e é imutável devido, justamente, à herança genética, não há mais possibilidades de relação entre homens e mulheres que aquelas que compreendem as funções reprodutivas e a criação das filhas e filhos durantes seus anos mais vulneráveis. É, realmente, um muro teórico (e social) no qual as pessoas não temos outra possibilidade de nos relaionarmos e vivermos que não seja a determinada pelos mandatos “naturais”. No entanto, é possível uma análise política mais profunda. Wittig recorda como, nas últimas décadas, tem se revelado o caráter cultural das concepções do que, sem questionamentos, se havia considerado como proveniente da natureza. Porém, ela assinala que há um núcleo que ainda se resiste a ser questionado: essa relação obrigatória entre o “homem” e a “mulher”. Parece que esse núcleo é anterior a todo pensar científico, como se fosse uma essência natural, Wittig insiste: “como se fossem leis gerais que valem para todas as sociedades, todas as épocas, todos os indivíduos” (Wittig, 1978, p. 52).

A relaçao de vida erótica e/ou afetiva entre homem e mulher é realmente uma predisposição natural? Que significados sociais têm os processos fisiológicos como reproduzir, parir e a necessidade humana de vários anos de cuidado para poder sobreviver? Esses processos não são possíveis se não ocorre uma vida cotidiana construída com base em relações de homens e mulheres não consangüíneos em mútua dependência? Sociedades onde as relações entre homens e mulheres não consangüíneos dependentes material e fisicamente não sejam obrigatórias são viáveis? A quem e para que serve a construção social da heterossexualidade?

Nas sociedades capitalistas contemporâneas se constrói como destino a vida heterossexual das pessoas. O sentido da vida, com maior ou menor carga de romantismo, dependendo da cultura de que se trata, é viver em casal. Casal de corpos sexuados distintos preferentemente [13]. Além da construção midiática disso que ocidentalmente se chama “amor” como realização pessoal, é pertinente observar como o casal heterossexual acaba sendo tão útil, uma vez que o destino do casal será produzir e reproduzir. Aí está a família construída pelo mundo do capital.

O mandato ideológico de casal implica também na criação de futuras gerações de trabalhadores e trabalhadoras. Uma construção significativa útil para sustentar os alicerces da macroestrutura. Federeci aponta: “a família, tal como a conhecemos no ‘Ocidente’, é uma criação do capital para o capital, uma instituição organizada para garantir a quantidade e a qualidade da força de trabalho e o controle da mesma” (Federeci, 2010, p. 15).

Onde há indivíduos destinados ao trabalho produtivo, a outros-outras é designada a sobrecarga do trabalho reprodutivo e, ao mesmo tempo, os filhos e filhas recebem uma pedagogia imediata da naturalidade desta organização. Essa é, pois, a família – primeira forma de propriedade – que, de acordo com Engels e Marx, contém em sua forma inicial a mulher e os filhos como escravos do marido: “o direito a dispor da força de trabalho de outros… divisão do trabalho e propriedade privada são termos idênticos. Um deles diz, referindo-se à escravidão, o mesmo que o outro, referindo-se ao produto desta” (Engels y Marx, 1982, p. 32).

Desta forma, o sistema de produção determina modos de vida, a vida em família que, por sua vez, é o lugar do trabalho reprodutivo. Assim, resulta acertada a convenção social de que a família é o núcleo da sociedade (e do sistema econômico e político), e nesse ponto é possível observar como a heterossexualidade é o núcleo da família.

Então, se a heterossexualidade é uma estrutura que ordena em classes a sociedade inteira é, portanto, uma estrutura política e, finalmente, podemos conceber a existência de um regime heterossexual [14], um regime político indispensável à divisão sexual do trabalho e à designação do invisível trabalho reprodutivo.

Amplos setores da população não podem admitir a vida fora do regime heterossexual. Ele está impregnado nos corpos e no fazer cotidiano. A conseqüência desta marca que parece inapagável é que a mente heterossexual, de acordo com Wittig (1992, p. 3), não pode conceber uma cultura, uma sociedade onde a heterossexualidade não ordene não somente todas as relações humanas mas também a produção de conceitos e inclusive os processos que escapam à consciência. A heterossexualidade está impregnada na psique e na pele da população. Ela constrói corpos, desejos, vontades, valores, modos de andar pela vida. Uma vida cotidiana heterossexual.

Nesse ponto é preciso destacar que esta introjeção da heterossexualidade é uma forma concreta de opressão. Concordo com Wittig, que coloca que “os discursos da heterossexualidade nos oprimem no sentido de que nos impedem de falar a menos que falemos em seus termos (desde uma concepção heterossexual da realidade)… sua ação mais feroz é a tirania inflexível que exercem sobre nosso ser mental e físico” (Wittig, 1992, p. 2).

Assim, se bem a heterossexualidade e a atribuição de papéis de gênero atuais são uma construção que obedece a um processo histórico, sua ação opressiva concreta contemporânea responde hoje às necessidades do capitalismo, o possibilita e o perpetua, podemos aqui propor um jogo dialético: se reconhecemos que “o que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de produção” (Engels y Marx, 1982, p.19), podemos também reconhecer que as condições de produção dependem das condições materiais possibilitadas pela própria heterossexualidade.

O capital se apropria do corpo do trabalhador na sua vida cotidiana e reprodutiva, das trabalhadoras por meio da heterossexualidade.

HETEROSSEXUALIDADE OBRIGATÓRIA

Nesse ponto, me interessa mostrar como o regime heterossexual atua sobre todxs xs individuxs mantendo o modo de vida capitalista, mas sobre a vida das mulheres ele se inscreve, além do mais, de forma obrigatória.

Começo por assinalar que aqueles cujo aspecto genital implicou que seus corpos fossem sexuados como masculinos estão socialmente obrigados a demonstrar sua masculinidade, no sentido de sua capacidade inseminadora, provedora e seu desempenho na produção. Qualquer atitude ou desvio da masculinidade e da heterossexualidade impostas é socialmente punido e desqualificado.

Não obstante o anterior, a heterossexualidade como obrigação atua de maneira particular sobre as mulheres constituindo-as em uma classe sexual, cujo trabalho é explorado por outra classe. Para explicar essa proposta é necessário observar como, sem que se contradigam os mandatos do regime heterossexual em relação à organização da vida social, o sistema capitalista constrói uma classe privilegiada cujos fundamentos são de homossexualidade concretamente masculina, ou seja, de amor-desejo-erotismo-afinidade entre aqueles que possuem um corpo sexuado masculino – essa afinidade tem níveis diversos conforme a identidade de gênero – pois as relaçoes de poder masculinas implicam certo grau de fraternidade, cumplicidade, solidariedade-amor entre eles, eufemisticamente “irmandades masculinas” (broderagem, camaradagem masculina) – na política, na trama social, nos acordos econômicos, nas criações culturais, ainda que sejam certamente relações atravessadas pela classe econômica e pelos interesses da mesma. Isto significa que o patriarcado capitalista é homossexual, no sentido da “identificação” [15] com o que é reconhecido como masculino.

As mulheres, entretanto, são socialmente inferiorizadas e construídas pela rivalidade entre si mesmas. O que não é acidental, como explica Rich. Elas são ensinadas a se identificarem com o masculino, uma vez que a masculinidade representa o poder em nossas sociedades: “A identificação com o masculino significa a internalização dos valores do colonizador e a participação ativa no exercício da colonização de si mesma e de seu sexo… coloca os homens acima das mulheres – inclusive elas mesmas o fazem – em credibilidade, status e importância na maioria das situações”. Como consequência disso, há a negação da importância das relações com outras mulheres: “a interação com mulheres é vista como uma forma menor de relação em todos os níveis.” (Rich, 1985, p. 20)

Aquiii Assim, a impossibilidade de se relacionar-aliar a outras mulheres, a atribuição histórica de ser para o outro, tudo somado à vigilância social que ameaça constantemente com violência exagerada atualmente as mulheres, ao que parece pelo simples fato de serem mulheres [16], fazem da heterossexualidade obrigatória [17] não uma questão de sexualidade, de práticas sexuais ou de relações afetivas, mas uma marca política imposta concretamente às mulheres onde, por meio de mecanismos de disciplinamento e controle, naturaliza a heterossexualidade como “desejo” com o objetivo de assegurar “a lealdade e submissão emocional e erótica e a servidão das mulheres aos homens” (Rich, 1985, p.25), e eu acrescento: com o fim de dar continuidade aos sistemas econômicos e políticos que sustentam por essa lealdade e serviço – a heterossexualidade construída como a única possibilidade para o desejo, a vida e os corpos das mulheres.

Ou seja, já que as formas pelas quais se concebe a realidade são manifestações das relações sociais, a imposição da heterossexualidade às mulheres como a única realidade possível tem que ver com a relação corpo-trabalho e, para manter essa relação, é necessário que elas sejam constantemente disciplinadas a esta sujeição.

Ou seja, o pressuposto/a imposição/a naturalização de que o afeto e o desejo das mulheres está relacionado a um homem (ou mesmo o dos homens às mulheres, mas este não é agora o tema que me ocupa) não é inocente, tem um propósito: ao sustentar esse afeto e/ou desejo se difunde a ideia (ou imposição) de que a vida das mulheres se realiza e é plena quando relacionada à vivência partilhada com um homem, a uma sexualidade partilhada com um homem, à possibilidade de parir, à criação de filhas/os e, inclusive, mesmo na ausência ou morte desse homem objeto de afeto e desejo, ao serviço e cuidado que se dá a toda a rede de relações correspondentes, como filhos e parentes, que foi criada por esse vínculo ao homem. (A viúva que se responsabiliza emocional, afetiva e economicamente com trabalhos de cuidado da sogra, de cunhados, etc.). Isto significa que o trabalho das mulheres pertence a esse homem (e ao clã desse homem) ao qual ela foi socialmente destinada.

É importante apontar que essa destinação ocorre gerações antes do nascimento e se interioriza desde a infância, mesmo que esse homem ainda não exista como uma presença física em sua vida, mas como uma mera construção simbólica. Ou seja, desde muito pequena a menina é instruída para esperar a chegada do príncipe encantado, está predisposta a essa espera e é socializada para o trabalho que dela se exige quando o homem ao qual seu trabalho será destinado – poderia se dizer aquele com quem ela “escolher”[18] se casar – aparecer fisicamente[1].

Historicamente, há quem tenha rompido, de um modo ou de outro, com esse doutrinamento. Mulheres que não cumprem com a ordem do sistema mundo de assumirem o trabalho reprodutivo como destino. Mulheres que desafiam os estereótipos de gênero. Usam calças, frequentam as universidades, se negam a ser mães. Tais desafios obedecem ao contexto e momento histórico e são, muitas vezes, punidos socialmente por eles – verbal, econômica ou fisicamente.

Entretanto, essas rebeldes que não conseguem romper com a imposição da heterossexualidade também não rompem o vínculo de ser mulher para o cuidado de um homem, “O Homem”, mesmo que ele não exista fisicamente, ou existam muitos ou alguns eventualmente, sua existência simbólica é constante: “algum dia ela se casa”, “logo aparecerá quem a dome, quem a convença”. O desafio daquele que alcança a mulher inacessível é uma constante nos imaginários coletivos. Livros e filmes tem se ocupado de narrar incansavelmente como as mulheres de caráter indomável se submetem ou são submetidas quando aparece o “amor verdadeiro”, como aquelas já sendo maduras sentem a nostalgia daquele sonho nunca obtido e, por fim, encontram um companheiro da sua idade, ou ainda como aquelas tais como Penélope envelhecem esperando por “ele”. Um “ele” que ainda que exista apenas supostamente, é seu destino irrenunciável.

Uma mulher solteira é socialmente uma mensagem de eterna espera, o melhor que a ela se pode desejar é “logo aparecerá”. A sanção social e o burburinho sobre a que “ficou solteira”, essa ridicularização-lástima-vazio, a tristeza real ou imaginária da “solteirona” não rompem a regra, mas a reafirmam. Mais do que se negar a fazer o determinado socialmente, se trata de rebeldias individuais: “a solteira”, “a rebelde”, “a indomável”, “a solitária”. Um peso social pedagógico para aquelas que desobedecerem ou pensarem em desobedecer. A respeito da apropriação individual de seu trabalho, a princípio, as rebeldes podem escapar, mas ainda restam os irmãos, filhos, sobrinhos, pais, avós, doentes (homens ou mulheres) ao seu redor que requerem seus carinhos e cuidados. O trabalho reprodutivo é dificilmente renunciável.

Para as que não desobedeceram, seu trabalho pertence ao homem designado, também no período de trabalho efetivo durante a relação – trabalho doméstico, cuidados, afetos –, e pertence a ele mesmo quando o sujeito está morto ou desaparecido do entorno físico imediato por divórcio ou abandono, pois permanece o pertencimento de maneira metafísica nos laços subsequentes, emocionais e materiais, no cuidado de filhos ou familiares.

É por tudo o que foi dito que este sistema mundo é chamado de “patriarcado”, porque o resultado do trabalho das mulheres não as beneficia diretamente, mas continua pertencendo, como nas tribos nômades, ao “pai-varão”, ao que dorme ao seu lado e ao patriarca dono de todo o material e imaterial produzido por quem está sob seu “manto”, o manto do capital. Assim, desde o lesbofeminismo[19] usamos a denominação: “Heteropatriarcado” para indicar o caráter fundamental da heterossexualidade obrigatória como laço que mantém as mulheres presas a essa relação de corpo-trabalho.

Pro funcionamento desse sistema heteropatriarcal, se cria uma matriz, um molde que recentemente as feministas têm chamado de gênero, ou seja, uma ordem social que impõe papéis e mandamentos a homens e mulheres que – baseando-se no fato de ter nascido com tais ou quais genitais – designam um lugar determinado no trabalho reprodutivo e um lugar determinado no trabalho produtivo.

Como registrei acima, não se trata somente da divisão sexual do trabalho, mas que os trabalhos designados têm valores sociais distintos, sendo o reprodutivo o de menor valor. Se hierarquiza também o trabalho de acordo com o corpo sexuado de quem o realiza.

Essa dupla hierarquização dos trabalhos contribui para criar uma ideologia em que prevalece a desvalorização do “feminino”, dos trabalhos intelectuais, produtivos e reprodutivos das mulheres, cuja “realização” então teria que estar em outro lugar. Seguindo essa ideia, esse outro lugar de reconhecimento social no capitalismo para as mulheres está condicionado, geralmente, à obtenção de um vínculo afetivo com um homem para realizar o trabalho reprodutivo que lhe é determinado e à criação de futuros trabalhadores com toda a trama de produção-consumo-reprodução que se tece ao redor e que, curiosamente, sustenta a engrenagem capitalista e neoliberal.

De forma simples: as mulheres são convencidas de que, além de serem eficientes na produção e obterem posições mais ou menos privilegiadas dentro dela e de se prepararem academicamente – se é possível – para se destacarem, elas precisam de uma relação de casal (com um homem preferencialmente) e da maternidade para ter uma vida “realizada” ou “completa”. Esse convencimento é útil ao sistema de produção capitalista em várias dimensões:

  • A força de trabalho das mulheres diretamente explorada na produção. Em que, além do mais, a venda da força de trabalho feminina é mais barata que a masculina, portanto o capitalismo obtém lucro do trabalho feminino tanto em casa quanto na linha de produção. Um exemplo disso é o que ocorre nas empresas maquiladoras[2] instaladas na América Latina, onde o trabalho é feminilizado e a trama capitalista se tece de tal maneira que uma só pessoa encarna o trabalho reprodutivo – no âmbito doméstico, com a criação de futuros e futuras trabalhadoras – e, ao mesmo tempo, o trabalho produtivo, sendo uma mão de obra de salário muito baixo e sem benefícios.

Ainda mais, Mackinnon, em décadas anteriores, segundo análise de Rich, já documentava o fato de que as mulheres não somente ocupam um grande número de trabalhos de serviço e/ou de atenção ao “outro” (como secretárias, empregadas domésticas, enfermeiras, telefonistas, babás, camareiras), mas também que “a sexualização da mulher é uma parte do trabalho. O requerimento feito às mulheres de que proporcionem seu atrativo sexual aos homens… é o controle dos homens sobre a sexualidade das mulheres e o controle do capital sobre a vida laboral dos seus empregados” (Rich, 1985, p. 26). Ou seja, são trabalhadoras e se espera delas que cumpram sua função de trabalhadoras, mas também são mulheres e se exige delas que se comportem como mulheres, no sentido de que busquem agradar, cuidar e satisfazer, inclusive no espaço laboral. Exemplo disto é que no México é frequente encontrar nos anúncios de emprego para mulheres o requisito: “Boa aparência”, ou seja, que seu aspecto agrade ao empregador.

  • Elas vão realizar a maior parte do trabalho reprodutivo, servindo assim à produção não só de maneira direta, mas também de maneira indireta ao possibilitar que o cônjuge, as/os filhas/os e outras/os sob seu cuidado possam vender suas forças de trabalho.

“São necessários ao menos vinte anos de socialização e treinamento cotidianos, conduzidos por uma mãe não remunerada, para preparar uma mulher para esse papel e convencê-la de que ter filhos e marido é o melhor que pode esperar da vida”. Explica Federici (2010, p. 37), mas me interessa apontar que esses “20 anos” não são unicamente de preparação, também já são a exploração em si do trabalho reprodutivo das mulheres. O trabalho reprodutivo começa quando a menina apenas começa a caminhar: lhe são designadas cargas desse trabalho, repreendendo-a quando não se mantém agradável aos olhos dos outros e parabenizando-a por manter bem penteada a boneca, lhe é desginado fazer as compras básicas, deixar brilhantes os copos ou pôr a mesa adequadamente, fazer as tortilhas mais redondas, lavar bem os lenços, ou saber cozinhar desde pratos simples até os mais sofisticados enquanto cresce. Ou seja, desde seus primeiros anos as meninas já estão produzindo para o sistema que as explora.

Na idade adulta, as mulheres cumprem duplas ou triplas jornadas de trabalho e quando são velhas continuam tendo trabalho reprodutivo, como o cuidado das gerações seguintes. Um trabalho não remunerado, sem férias e que, além de tudo, não tem fim, pois nem sequer as idosas têm o direito de se aposentar, como ocorre com os trabalhos assalariados. A avó vai cuidar dos netos e bisnetos, vai preparar cafés da manhã, vai pagar contas, vai bordar guardanapos, vai cuidar dos doentes, vai regar as plantas, vai varrer a entrada da casa, o que seja possível… Trabalho não reconhecido, de nenhuma forma prestigiado, mas indispensável na divisão sexual do trabalho. Até que as forças vitais permitam, ela continuará trabalhando.

  • As mulheres contribuem pra preparação de novas gerações que servirão aos trabalhos produtivos e reprodutivos mediante o ensino de habilidades e competências para essas funções e a difusão da ideologia que permite a continuidade do sistema econômico e da divisão sexual do trabalho a partir da heterossexualidade. “Sonho te ver vestida de noiva entrando na igreja”, dizem – como se fosse um bom desejo – as mães, tias, avós para as meninas.
  • A heterossexualidade obrigatória, então, sustenta a divisão sexual do trabalho e, simultaneamente, a criação dos espaços físicos do privado e do público, uma vez que o trabalho reprodutivo se dá em espaços geográfica e materialmente determinados. Não é o âmbito da tribuna pública, nem é o local de produção. O âmbito do privado requer um espaço físico particular: pode ser um quarto, uma casa de madeira, uma mansão. O que ocorre ali, a transformação de produtos em alimentos, o cuidado das crianças, o cuidado de objetos e pessoas, a preparação para a produção, implica consumo, um modo de consumo determinado pelo modo de produção. Uma serpente devorando a si mesma.

Deste modo, é possível vislumbrar a utilidade política e econômica de construir nas mulheres a heterossexualidade que, por sua vez, permite o trabalho reprodutivo por meio da divisão sexual do trabalho como elemento indispensável para a continuidade do sistema de produção capitalista.

Para isso, o sistema realiza bastante propaganda para a naturalização da heterossexualidade, da maternidade e do que é “feminino”. As materialistas francesas nos anos 1970 falavam da classe social mulher, cujo trabalho é explorado pela classe social homem e pelo capitalismo numa instância mais geral. Escreve Federeci: “o gênero não deveria ser considerado uma realidade puramente cultural, mas deveria ser tratado como uma especificação das relações de classe” (Federeci, 2004, p. 27).

A outra parte da sujeição dos corpos e vidas das mulheres é realizada pela invenção do amor romântico, aquele que Rich chama de “a ideologia do idílio heterossexual”, que é aquela “projetada na jovem através dos contos infantis, da televisão, dos filmes, da propaganda, das canções populares, do luxo das bodas” (Rich, 1985, p. 35) e a monogamia [20]. Uma mulher pra um homem, pra vida toda… ideia tão romântica, tão desejada, tão hegemônica e tão útil para manter a fórmula da propriedade e da divisão sexual do trabalho.

Assim, a heterossexualidade obrigatória é pras mulheres uma classe feita corpo, encarnação de uma classe sexual-social.

Então, entendendo a heterossexualidade como regime político que sustenta o heteropatriarcado capitalista – já que possibilita as condições materiais para a produção a partir da apropriação do trabalho reprodutivo – e, dessa forma, o caráter da heterossexualidade obrigatória como dispositivo político sem o qual não seria possível a divisão sexual do trabalho; é preciso que as disciplinas sociais, econômicas, feministas, políticas, de saúde, bem como os movimentos sociais, comecem a conceber a crítica à heterossexualidade não como um exercício de “inclusão da diversidade sexual” [21], como se vem fazendo desde um discurso liberal do politicamente correto, mas sim reconhecer que uma crítica radical à heterossexualidade é imprescindível para a construção de alternativas ao capitalismo que devora vidas, corpos, trabalho, relações pessoais e os recursos naturais do planeta.

Enquanto se continue concebendo que lavar a louça ou a vida erótico-afetiva sejam assuntos que correspondem a uma pessoa, a um casal ou à intimidade do que ocorre dentro de uma casa e se continue invisibilizando sua dimensão política e suas implicações estruturais, será difícil desmontar a reprodução capitalista. Uma atitude revolucionária, então, é desheterossexualizar nossas concepções de realidade e de sentido da vida.

© Patricia Karina Vergara Sánchez [pakave@hotmail.com]

Referencias bibliográficas

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Notas

[1] No imaginário coletivo, aquele que vende sua força de trabalho é um homem operário/trabalhador, mas na prática também se trata de mulheres operárias/trabalhadoras. Por exemplo, em 2009, havia já 100 milhões de mulheres latinoamericanas, 53% da população ativa feminina, que trabalhavam fora e recebiam remuneração. (Organização Internacional do Trabalho [OIT] e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 2009)

[2] Na América Latina, mesmo nos casos de quem pode se dar ao luxo de ter uma ajuda remunerada no trabalho reprodutivo, este é colocado em mãos de mulheres. São chamadas – muitas vezes, com tom depreciativo –: “a babá, a doméstica, a empregada, a diarista”. Não existem e soa ridículo quando se fala: “o babá, o doméstico, o empregado, o diarista”. Nota da tradução: cabe ressaltar que a observação vale para o âmbito privado, doméstico, onde se dá o trabalho reprodutivo; pois é comum a limpeza estar a cargo de homens e mulheres, em sua maioria negros e negras, no Brasil, em ambientes de uso coletivo, como empresas, restaurantes, instituições e outros.

[3] Trabalho reprodutivo: conceito desenvolvido por feministas próximas ao materialismo histórico que exploram a forma como o trabalho das mulheres é apropriado coletivamente, mas também individualmente. Esse trabalho é indispensável para a reprodução social e se refere a todo trabalho que permite a reprodução humana, como as atividades de cuidado, higiene, preparação de alimentos e tarefas domésticas, que geralmente é realizado por mulheres em diversos lugares do mundo, é pouco reconhecido socialmente e que, no entanto, é imprescindível para a vida cotidiana e para a produção e consumo. Nas palavras de Federeci: “a linha de montagem começa na cozinha, no banheiro, nos nossos corpos”. (La Hiedra en 2012)

[4] Como Colette Guillaumin, Paola Tabet e Nicole Claude Mathieu.

[5] Aproximadamente desde os anos 1960 e 1970 até agora, quando o sistema necessita, alguns designados com o sexo masculino assumem algumas tarefas relacionadas ao cuidado ou ao doméstico. No entanto, isso não rendeu nenhuma transformação na distribuição geral do trabalho reprodutivo. Inclusive, é um elemento de negociações de poder dentro do casal: “O homem que espera – e sutilmente exige – considerações especiais por cuidar dos filhos e filhas, por ir ao supermercado, por limpar a casa, por dar prazer a sua esposa, logo, o que supõe estar fazendo um favor ao mundo por aparentemente romper com a divisão sexual do trabalho. Sutil, uma violência sutil porque ainda se performam os papéis de gênero tradicionais, mas ocultando o mecanismo de opressão.” (Fernández, 2015, p. 41)

[6] A esse respeito, Rich, há 20 anos, escreveu: “uma grande quantidade de homens podia se encarregar da criação dos filhos sem alterar radicalmente a balança do poder masculino numa sociedade androcêntrica.” (Rich, 1985, p. 12)

[7] 54% das mulheres latinoamericanas que trabalham de forma remunerada o fazem informalmente (sem registro) e o salário que recebem representa 70% do que recebem os homens. (Organização Internacional do Trabalho [OIT] e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 2009)

[8] Conceito criado pelos estudos de gênero que alude à dificuldade de alcançar altos cargos nos espaços de produção, em que as empresas não dão às mulheres responsabilidades maiores com o pretexto de serem mais emocionais, ou de terem filhos e colocarem a família ou o casamento ou o lar na frente do trabalho. Ao mesmo tempo que as mulheres vivem com culpa porque sentem que descuidam de áreas que aos homens não significam problemas; se seus filhos se sentem abandonados e elas não fazem a lição de casa com eles, mesmo que tenha quem resolva o assunto (babá, cozinheira…) elas carregam o peso de não contribuir com a estabilidade emocional dos filhos, ou de descuidar do marido, preocupações que não se repetem nos homens que participam na produção. (Arzate, 2009)

[9] Se presume a capacidade de parir por apresentar uma vulva como característica física visível, mas poderia não ser fértil, não ter útero ou, ainda, não estar em idade de reproduzir, mas se lê nesse corpo essa capacidade como se fosse um destino.

[10] Aquele socialmente reconhecido como o que produz material ou intelectualmente em troca de um salário.

[11] A esse respeito, Federeci escreve “O capital tinha que nos convencer de que é natural, inevitável e inclusive uma atividade que nos faz sentir plenas para, assim, nos fazer aceitar o trabalhar sem obter um salário em troca. Por sua vez, a condição não remunerada do trabalho doméstico tem sido a arma mais poderosa no fortalecimento da idéia geral de que o trabalho doméstico não é um trabalho, antecipando-se, ao negar-lhe este caráter, à possibilidade das mulheres se rebelarem contra ele”. (Federeci, 2010, p. 34)

[12] Assim chaman Lewontin, Rose e Kamin o determinismo biológico (1987, p. 18)

[13] Quando se trata de casais do mesmo sexo, a solução liberal atual ao seu questionamento implícito da heterossexualidade é reconhecer sua existência contanto que se cumpram os mandatos da construção social de uma família, ou seja, desde que esse casal cumpra os trabalhos socialmente designados úteis à produção e à reprodução.

[14] Conceito cunhado por Monique Wittig que mostra que existe uma estrutura da qual vem toda uma série de instituições, procedimentos e valores que sustentam o poder da heterossexualidade, regulamentando e controlando as sociedades contemporâneas, o que demonstra que esse poder é político. (Wittig, 1992)

[15] Utilizo o termo “identificação” como uma alusão à “ginoidentificação”, contribuição de Charlotte Bunch, uma das pioneiras da política feminista lésbica, que propôs que as lésbicas, que as mulheres identificadas com outras mulheres, se comprometessem politicamente com as mulheres como alternativa às relações opressivas masculinas/femininas (Bunch, 1975), pois, no caso dos designados socialmente como homens, esta “identificação” política não é somente uma proposta, mas algo que acontece de fato no cotidiano patriarcal.

[16] Distintas formas de lesbofobia, invisibilidade, violências econômicas, físicas, psicológicas e inclusive feminicídios.

[17] Conceito proposto por Adrienne Rich que explica como a heterossexualidade é imposta às mulheres como única possibilidade de existência a fim de construir as relações sociais de dependência com os homens (Rich, 1985).

[18] Desde que se pudesse escolher algo que é socialmente designado.

[19] O lesbofeminismo: é uma proposta teórica e postura política construída pelas lésbicas feministas que definem a heterossexualidade como um regime político.

[20] Considerando que nem o amor romântico nem a monogamia se vivenciam com os mesmos critérios – nem suas consequências na vida imediata – por homens e mulheres.

[21] Que finalmente é como se esteriliza um questionamento político de dimensões estruturais, convertendo-o em luta por direitos civis, casamentos e direito a ter uma hipoteca conjunta, construídos como necessidade de populações urbanas de classe média.

*Para mais publicações e reflexões como esta, entre em contato: explosao@riseup.net

Não se trata somente da divisão sexual do trabalho, mas que os trabalhos designados têm valores sociais distintos, sendo o reprodutivo o de menor valor. Se hierarquiza também o trabalho de acordo com o corpo sexuado de quem o realiza.

Essa dupla hierarquização dos trabalhos contribui para criar uma ideologia em que prevalece a desvalorização do “feminino”, dos trabalhos intelectuais, produtivos e reprodutivos das mulheres, cuja “realização” então teria que estar em outro lugar. Seguindo essa ideia, esse outro lugar de reconhecimento social no capitalismo para as mulheres está condicionado, geralmente, à obtenção de um vínculo afetivo com um homem para realizar o trabalho reprodutivo que lhe é determinado e à criação de futuros trabalhadores com toda a trama de produção-consumo-reprodução que se tece ao redor e que, curiosamente, sustenta a engrenagem capitalista e neoliberal.

[1] Nota da tradutora: Acho que falta falar de outros papéis sociais da mulher. Esse me parece ser o da “mãe”. A mulher prostituída e destinada a essa exploração desde sua infância, apesar de passar pelo mesmo processo de doutrinação, tem outros símbolos e presenças simbólicas distintos.

[2] Maquiladoras são empresas que importam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os produtos sejam manufaturados, em geral, por trabalhadores que ganham um salário inferior ao daqueles que trabalham nas matrizes.

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